segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Hoje demorei duas horas a regressar a casa, em vez dos 30 minutos habituais. Carros por todos os lados, em todos os sentidos, em todas as posições. Coisas do dia 22 de Dezembro, rezam as estatísticas. Sem mais que fazer que esperar, entretive-me a observar os meus companheiros de infortúnio. Num carro, quatro professores em fase pós-avaliação, o trauma, o drama, a burocracia, estampados na cara. Mais à frente, um juiz (os juízes, ao contrário dos professores, nunca viajam em grupo). O rosto pesado, as olheiras, deixavam adivinhar horas e horas remexendo processos. Presume-se que, não por dentro, mas de um lado para o outro. Agora, com menos férias e com a independência ameaçada - como se sabe, a ameaça à independência dos juízes tornou-se endémica -, poucas alegrias lhes restam. Atrás de mim, dois pequenos e médios empresários, daqueles que investiram bué de dinheiro num negócio muito interessante, mas que, infelizmente, não interessa a ninguém. O tom alaranjado da pele destes compinchas não os deixa mentir - são pessoas em dificuldade. Num Mercedes topo de gama, última geração, um médico, distraído, carrega ainda o estetoscópio ao pescoço. Anda desanimado. Com os médicos é ciclíco. Quando é que os governos vão deixar de chatear os médicos? Desta vez é porquê, mesmo? Triste mesmo é aquele militar, num Volvo com uns anitos, mas muito bem conservado, a quem, garanto pelo aspecto, retiraram toda a dignidade nos últimos tempos. Percebe-se isso à distância, não os motivos. E há ainda um autocarro cheio de homens do lixo lixados com a vida. E uns agricultores que já pouco agricultam. E uns pilotos da TAP que ficam em terra. E hordas e hordas de gente desprezada, deprimida, incompreendida, e até mesmo alguns manéis alegres.
E todos, neste santo dia 22, aproveitam para fazer as últimas compras de Natal. Porque, como se sabe, a crise é grande. Uma crise que não se aguenta. Tão grande que o melhor mesmo é pegar no carro, encher o depósito e enfiar-se num centro comercial. Comprar, antes que os outros comprem o quinhão que lhes está destinado. Comprar tudo, menos a reserva para o reveillon num hotel do Continente, da Madeira, ou das Caraíbas. Isso não, que está tudo esgotado.

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